‘Yuanização’ acelera com novo acordo comercial entre Índia e Rússia, avaliam analistas
O uso do yuan em transações internacionais não só aumenta, como ganhou novos e vultosos contornos com o anúncio de que a Índia começou oficialmente a comprar petróleo russo com a moeda chinesa.
A mudança é motivada pela possibilidade de conversão direta entre o yuan e os rublos russos, devido às sanções ocidentais contra Moscou. Terceira maior importadora de petróleo do mundo, atrás dos EUA e da China, a Índia vem comprando quantidades recordes de petróleo da Rússia, segundo dados de ambos os governos.
Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, desta segunda-feira (3), analistas comentaram o impacto geopolítico de a Índia usar o yuan para pagar o petróleo russo, especialmente dentro do contexto do BRICS e do atual sistema financeiro global, dominado pelo dólar.
A professora de relações internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF) Raquel dos Santos ponderou que o caminho para o yuan se tornar uma moeda de alta liquidez ainda é longo. A moeda chinesa responde por cerca de 5% das transações globais, afirmou ela, enquanto o dólar, mais de 45%.
Ela explicou que o yuan é uma moeda considerada de liquidez global média, devido à dificuldade de se transformar rapidamente em outros ativos ou moedas sem uma perda significativa de valor. Já o dólar americano ainda é a moeda mais líquida do mundo, com alta demanda dentro da arquitetura financeira internacional e ampla infraestrutura, como o sistema SWIFT.
Entretanto, ela destacou que mudanças cambiais não são apenas técnicas e possuem implicações de política externa e alianças comerciais.
“À medida que temos mais Estados fazendo negociações gradativamente utilizando o yuan como moeda para essas trocas comerciais internacionais, isso tende a dar maior conversibilidade para o yuan e trazer maior liquidez para ele.”
Nesse sentido, pontuou ela, a despeito das diferenças políticas e geopolíticas que existem entre Índia e China, a multipolaridade como projeto é uma bandeira comum e ultrapassa esses obstáculos.
“É um processo gradual, […] ainda que existam algumas barreiras para a substituição do dólar como moeda dominante por outras moedas. Isso também pode contribuir para uma maior diversificação de moedas e para que outros Estados e as próprias commodities em si passem por um processo de reformulação desse mercado internacional e da própria arquitetura internacional também, que é um projeto do BRICS”.
O analista internacional Ricardo Cabral, editor do canal História Militar em Debate e coautor do livro “Guerra na Ucrânia: análises e perspectivas”, comentou que a China está cada vez mais empenhada em favorecer as transações comerciais em yuan em larga escala.
O próprio Brasil, que é um grande exportador de commodities, lembrou Santos, pode acompanhar o desenvolvimento das atuais transações de moedas alternativas nos pagamentos internacionais. Atualmente as reservas brasileiras são principalmente dólar, título do Tesouro, ouro e euro, destacou.
Segundo ele, além da perda de confiança no dólar devido às crises internas nos EUA e à dívida pública, que já chega a US$ 38 trilhões (R$ 203,7 trilhões), as sanções têm “empurrado” vários países a ampliar a diversificação cambial.
Para Cabral, as sanções do Ocidente prejudicam a Rússia, responsável por 10% do petróleo mundial e peças de titânio fundamentais para a indústria aeronáutica, bem como a proteína: “Isso repercute”, frisou.

