Índia e Paquistão em conflito: tensão nuclear, rivalidade religiosa e impacto global por Glauco Winkel

O que está por trás da recente escalada entre indianos e paquistaneses? Nos últimos dias, o mundo testemunhou uma nova escalada de tensão entre Índia e Paquistão, dois países com uma longa história de conflitos.
Em 25 de abril, um ataque mortal em Pahalgam, na Caxemira sob administração indiana, resultou na morte de 26 civis — o atentado mais letal desde 2019. A Frente de Resistência (TRF), considerada uma extensão do grupo Lashkar-e-Taiba (LeT), organização radical que, segundo alegações, recebe apoio do Paquistão, reivindicou a autoria do ataque (Miller, 2025). Em resposta, a Índia iniciou a Operação Sindoor com ataques no território paquistanês, revogou o Artigo 370 de sua constituição — que conferia autonomia especial à região da Caxemira — e suspendeu o acordo bilateral de compartilhamento de águas com o Paquistão. O conflito continua em curso, aumentando os temores internacionais, especialmente pelo fato de se tratar de duas potências regionais com armamento nuclear. Dentre os principais riscos do conflito estão a intensificação das tensões entre dois países com capacidade nuclear, a dimensão religiosa do embate – envolvendo hindus e islâmicos – e os impactos econômicos potenciais sobre duas economias com influência estratégica na região do Indo-Pacífico.
O tensionamento entre Índia e Paquistão ocorre em um contexto no qual ambos os países possuem capacidade nuclear. A Índia tornou-se uma potência nuclear em 1974 e o Paquistão em 1998. Os indianos dispõem de 164 ogivas nucleares com capacidade de lançamento por meios terrestres, aéreos e marítimos, e adotam oficialmente a política de “não usar primeiro” (no first use), embora esta tenha sido reavaliada em 2019, levantando dúvidas sobre sua manutenção. O Paquistão, por sua vez, possui aproximadamente 170 ogivas nucleares com ênfase em armamentos nucleares táticos, como forma de compensar a superioridade convencional indiana. As ogivas paquistanesas são armazenadas separadamente dos mísseis e só são montadas em caso de uso iminente. O país não declara oficialmente adesão à política de “não usar primeiro”. Estimativas indicam que mesmo uma troca nuclear limitada poderia causar até 20 milhões de mortes em uma semana (Center for Arms Control and Non-Proliferation, 2025). Apesar disso, especialistas ressaltam que a dissuasão nuclear não substitui a diplomacia e esperam a atuação de canais diplomáticos discretos, mesmo diante da retórica pública mais agressiva.
O conflito também possui um forte componente religioso, marcado pela rivalidade histórica entre hindus e muçulmanos. A própria partição do subcontinente indiano, em 1947, foi baseada em critérios religiosos: as áreas de maioria hindu formaram a Índia, enquanto as de maioria muçulmana originaram o Paquistão. A região da Caxemira, foco central da disputa, possui maioria muçulmana, mas foi incorporada à Índia após a decisão de seu governante, um marajá hindu, de aderir à União Indiana — fato que desencadeou uma prolongada disputa de natureza tanto territorial quanto religiosa. Os movimentos separatistas na região são, em grande parte, motivados pelo sentimento de marginalização da população muçulmana sob o controle do governo indiano, e encontram eco em grupos extremistas como a Frente de Resistência (TRF) e o Lashkar-e-Taiba (LeT) (Council on Foreign Relations, 2025). Além disso, desde a eleição de Narendra Modi em 2014, o partido Bharatiya Janata Party (BJP) tem adotado uma postura cada vez mais rígida em relação à Caxemira, promovendo ações que, segundo críticos, contribuem para a associação entre o islamismo e o extremismo (Aswani, 2025).
Além disso, o impacto econômico de um conflito entre Índia e Paquistão – duas economias com influência estratégica no Indo-Pacífico – seria catastrófico, não apenas para os países diretamente envolvidos, mas também para a estabilidade regional e global. A Índia, cuja economia é mais robusta, enfrentaria prejuízos diários estimados em 670 milhões de dólares decorrentes de operações militares, somados a danos econômicos que poderiam atingir até 17,8 milhões de dólares em apenas quatro semanas de guerra, representando uma contração de cerca de 20% do seu PIB nesse período. Por sua vez, o Paquistão provavelmente sofreria consequências ainda mais severas, com riscos de hiperinflação, escassez de bens essenciais e o colapso de setores produtivos já fragilizados. Além disso, ambos os países experimentariam fuga de capitais, desvalorização cambial e aceleração da inflação, fatores agravados pelos altos preços dos combustíveis e das importações (Sheikh, 2025). Ademais, o conflito poderia interromper cadeias de suprimentos estratégicas no Indo-Pacífico, afetando parceiros comerciais e enfraquecendo os fluxos de investimento internacional em uma das regiões economicamente mais dinâmicas do mundo.
Diante desse cenário, é evidente que o agravamento do confronto entre Índia e Paquistão representa uma ameaça multifacetada com desdobramentos alarmantes. Em primeiro lugar, o risco de um embate entre duas potências nucleares não pode ser subestimado, pois a simples possibilidade de uso de armamento atômico implica consequências econômicas, humanitárias e ambientais irreversíveis. Em segundo, o plano de fundo religioso do conflito — marcado por décadas de rivalidade entre comunidades hindus e muçulmanas — contribui para radicalizações internas e alimenta discursos sectários, tanto na Índia quanto no Paquistão. Por fim, os potenciais efeitos econômicos desse embate vão além das fronteiras nacionais, abalando a estabilidade de mercados internacionais, interrompendo cadeias produtivas e comprometendo o crescimento de uma das regiões mais estratégicas do planeta. Diante desse cenário, é essencial que os empresários monitorem a situação de perto, diversifiquem seus investimentos e fortaleçam suas cadeias de suprimento. Ao mesmo tempo, esforços diplomáticos regionais e globais são fundamentais para evitar a escalada do conflito e garantir um ambiente de negócios estável.
Referências
ASWANI, Tarushi. Despite Modi’s Claims of Peace, Kashmir Burns. Estados Unidos: The Diplomat, 25 abr. 2025. Disponível em: <https://thediplomat.com/2025/04/despite-modis-claims-of-peace-kashmir-burns/>. Acesso em: 13 mai. 2025.
CENTER FOR ARMS CONTROL AND NON-PROLIFERATION. India and Pakistan. Estados Unidos: Center for Arms Control and Non-Proliferation, 2025. Disponível em: <https://armscontrolcenter.org/countries/india-and-pakistan/>. Acesso em: 13 mai. 2025.
CENTER FOR PREVENTIVE ACTION. Conflict Between India and Pakistan. Estados Unidos: Council on Foreign Relations, 12 abr. 2025. Disponível em: <https://www.cfr.org/global-conflict-tracker/conflict/conflict-between-india-and-pakistan>. Acesso em: 13 mai. 2025.
MILLER, Manjari Chatterjee. The Latest Attack in Kashmir Escalates India-Pakistan Tensions. Estados Unidos: Council on Foreign Relations, 25 abr. 2025. Disponível em: <https://www.cfr.org/expert-brief/latest-attack-kashmir-escalates-india-pakistan-tensions>. Acesso em: 13 mai. 2025.SHEIKH, Ali Tauqeer. The costs of conflict. Paquistão: Dawn, 2 mai. 2025. Disponível em: <https://www.dawn.com/news/1907921>. Acesso em: 13 mai. 2025.
* Glauco Winkel é pesquisador sobre China e Sudeste Asiático no Laboratório de Geopolítica, Relações Internacionais e Movimentos Antissistêmicos (LabGRIMA) e pesauisador assoiado do Centro de Estudos em Geopolítica e Relações Internacionais (CENEGRI).