O BRICS em órbita: lançando-se ao espaço multipolar por Albert Selmikat

The Centre for Studies on Geopolitics and Foreign Affairs

O BRICS em órbita: lançando-se ao espaço multipolar por Albert Selmikat

15 de setembro de 2025 Blog 0

O texto aborda a dinâmica espacial no âmbito do BRICS ampliado e sua relevância geopolítica como instrumento de projeção de poder e redefinição da governança internacional.

O duopólio inicial

O espaço sempre foi mais do que ciência. Desde os primeiros passos da União Soviética (URSS) e dos Estados Unidos (EUA), tratou-se de projeção de poder. O Sputnik e o Apollo não foram apenas feitos tecnológicos, mas demonstrações de legitimidade política diante do mundo. Nas décadas seguintes, o domínio orbital permaneceu concentrado nesse duopólio, sustentado por foguetes, sondas e, mais tarde, pelos ônibus espaciais. O espaço tornou-se vitrine de supremacia tecnológica e instrumento de influência global.

A entrada de novos atores

Aos poucos, o quadro se abriu porque outros países compreenderam que permanecer fora dessa arena significava aceitar dependência. Quem dominasse foguetes, satélites de observação, sistemas de navegação, comunicações e até estações espaciais teria não só autonomia tecnológica, mas também peso político.

A Europa criou a ESA (European Space Agency) para diluir custos e projetar influência coletiva. Desenvolveu o Galileo (sistema europeu de navegação por satélite) como alternativa ao GPS (Global Positioning System, norte-americano) e fortaleceu sua posição com o Copernicus (programa europeu de observação da Terra voltado ao monitoramento climático e ambiental). O Japão, por meio da JAXA (Japan Aerospace Exploration Agency), destacou-se com as missões Hayabusa, que coletaram amostras de asteroides, e também lançou satélites de vigilância de uso dual. O Canadá tornou-se referência em robótica orbital, responsável pelo braço mecânico da ISS (International Space Station). Austrália e Coreia do Sul integraram esforços regionais, ampliando seu papel em cooperações estratégicas.

O BRICS no tabuleiro espacial

Cada país do BRICS encontrou seu caminho rumo ao espaço. A Rússia manteve viva a herança soviética com os foguetes Soyuz, os voos tripulados contínuos e o GLONASS (Globalnaya Navigatsionnaya Sputnikovaya Sistema, sistema global de navegação por satélite) como resposta ao GPS. A China ergueu uma cadeia completa: dos Longa Marcha às missões Chang’e na Lua, da estação Tiangong ao BeiDou (sistema chinês global de navegação por satélite), símbolo de autonomia tecnológica. A Índia destacou-se pela eficiência, levando a Mangalyaan a Marte e, em 2023, tornando-se o primeiro país a pousar no lado oculto da Lua com a Chandrayaan-3, enquanto consolidava o NavIC (Navigation with Indian Constellation, sistema regional de navegação por satélite).

O Brasil seguiu pela cooperação, com o programa CBERS (China-Brazil Earth Resources Satellite) ao lado da China, que já colocou vários satélites em órbita. Em 2021 lançou o Amazônia-1 com um foguete indiano PSLV (Polar Satellite Launch Vehicle). Momentos simbólicos e frustrantes marcaram sua trajetória: em 2006, Marcos Pontes tornou-se o primeiro brasileiro no espaço, viajando à ISS a bordo de um Soyuz russo, mas sua missão não teve continuidade. O mesmo ocorreu com o VLS (Veículo Lançador de Satélites), encerrado após o acidente de Alcântara em 2003. Hoje, o Brasil aposta no futuro com o CBERS-5, previsto para 2030, primeiro da série em órbita geoestacionária.

Limites e vulnerabilidades

Essas trajetórias revelam uma verdade permanente: nenhum programa espacial é imune ao peso dos custos, das sanções ou da instabilidade política. A Rússia lida com restrições decorrentes de sanções, a China enfrenta controles de exportação, a Índia opera com orçamento limitado e o Brasil convive com instabilidade política e financeira. Assim como a Europa fez ao criar a ESA, países em desenvolvimento buscaram parcerias não apenas por escolha estratégica, mas por necessidade.

A cooperação entre os BRICS como estratégia

Foi nesse contexto que a cooperação se consolidou como instrumento geopolítico. Em 1988, Brasil e China assinaram o acordo que deu origem ao programa CBERS, que ainda hoje se expande. Em 2021, China e Rússia anunciaram a ILRS (International Lunar Research Station), concebida como alternativa à Lunar Gateway, liderada pelos EUA, Europa, Japão e Canadá. No mesmo ano nasceu a Constelação de Sensoriamento Remoto dos BRICS, integrando satélites de Brasil, Rússia, Índia e China em uma “constelação virtual”.

Nos encontros anuais, além de declarações políticas, foram estabelecidos protocolos de cooperação em ciência, tecnologia e espaço exterior, ampliando a coordenação em áreas como compartilhamento de dados, formação de quadros técnicos e desenvolvimento conjunto de satélites. A entrada posterior de África do Sul, Egito, Etiópia, Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos (EAU) deu ao grupo densidade geográfica e novos recursos, com acordos bilaterais rapidamente incorporados ao portfólio coletivo.

Resultados concretos da cooperação espacial entre os BRICS

Essas iniciativas já produziram ganhos palpáveis. O CBERS fortaleceu o Brasil ao permitir monitoramento em tempo real do desmatamento via sistema DETER. A parceria com a Índia viabilizou o Amazônia-1 e capacitou técnicos em Cuiabá para operar estações de recepção e processamento de dados. O ETRSS-1 deu à Etiópia meios de observar agricultura e recursos hídricos. O MisrSat-2 permitiu ao Egito absorver técnicas de integração e fortalecer sua indústria espacial. O Nayif-1 ajudou os Emirados a formar seus primeiros engenheiros de satélite. Cada projeto somou não apenas dados e aplicações práticas, mas também prestígio, soberania tecnológica e voz internacional.

O mosaico de 2025 e além

Em 2025 as reuniões do BRICS no campo espacial deixaram claro que a cooperação deixou de ser apenas retórica e passou a constituir instrumento de poder. Dentre os países do BRICS, a China reafirmou que seguirá impulsionando a constelação de sensoriamento remoto e o compartilhamento de dados para resposta a desastres, a Índia enquadrou a agenda espacial em sua estratégia de liderança do Sul Global, a Rússia reportou trocas de dados que já cobrem mais de 27 milhões de quilômetros quadrados, enquanto o Brasil reforçou sua aposta em ampliar centros de recepção e processamento de imagens orbitais, abrindo espaço para empregos qualificados e pesquisa aplicada. A África do Sul costura instrumentos de cooperação e padronização com outros países africanos, reforçando a legitimidade do bloco em ditar normas. Quanto aos demais membros, multiplicam-se novas oportunidades de formação de especialistas, desenvolvimento de infraestrutura e inserção em cadeias produtivas de alta tecnologia. O efeito final é a construção de uma soberania coletiva que transforma a presença orbital em alavanca de influência política e estratégica em um mundo cada vez mais multipolar.

Albert Selmikat é Pesquisador-Associado ao CENEGRI.