O Sul Global agradece: como a Política Externa dos EUA está redefinindo o tabuleiro geopolítico por Charles Pennaforte

Uma imagem emblemática: Vladimir Putin, Narendra Modi e Xi Jinping juntos na reunião da Organização para Cooperação de Xangai, em Tianjin, representa o resultado da política externa da administração Donald Trump.
Uma política externa antidemocrática, truculenta e desprovida de qualquer reflexão geopolítica. Certamente, Henry Kissinger — entre outros formuladores da política da velha guarda da Casa Branca — não ficaria satisfeito ao ver o nível de aproximação da Índia com o eixo Moscou–Pequim, tampouco com os erros grosseiros de avaliação do atual cenário internacional.
A foto também simboliza um marco histórico: países com interesses distintos — e até contraditórios — encontraram um ponto comum para unir forças. E esse ponto foi a atuação comercial de Donald Trump. Trata-se de uma grande derrota geopolítica para o Ocidente (EUA e Europa).
Os europeus, por exemplo, ainda estão presos a um mundo que já não existe — um mundo em que os EUA lideravam sem contestação geoeconômica. Desde 2022, essa perspectiva deixou de ser válida. O poder precisará ser compartilhado com outras nações e blocos, em um cenário de multipolaridade. O Ocidente não será mais o protagonista como foi nos últimos 200 anos.
É fundamental que os europeus despertem para essa nova realidade econômica e geopolítica. A obsessão de Bruxelas com a Rússia, transformando-a no maior inimigo do continente, não trará boas perspectivas no médio e longo prazo.
O presidente francês Emmanuel Macron parece compreender esse novo cenário. Em 2023, recebeu o líder chinês Xi Jinping, numa tentativa de demonstrar maior autonomia da França — e da Europa — frente à disputa entre Pequim e Washington. Segundo o mandatário “A França continuará promovendo, dentro da União Europeia, uma posição baseada na autonomia estratégica, precisamente para poder dialogar com a China com total independência” (AFP, 19/11/2024). Em Portugal, em maio de 2025, declarou que “É preciso saber melhor como sermos donos do nosso destino” (AFP, 19/11/2024).
Paris parece estar despertando para o novo cenário, embora ainda pareça presa à “gratidão” do pós-Segunda Guerra Mundial.
A China, por sua vez, segue com seu “trator” econômico e geopolítico em pleno funcionamento, enquanto a Europa corre o risco de ficar ao lado menos ágil da história — representado, neste momento, pelos EUA sob liderança de Donald Trump.
Para entender o marco da foto que mostra a parceria dos principais líderes do chamado Sul Global, é preciso reconhecer que o grande “articulador” do momento é Donald Trump. Mas sejamos justos: Joe Biden iniciou essa débâcle geopolítica, que Trump vem acelerando com medidas irracionais do ponto de vista geoestratégico.
Se, por um lado, a invasão da Ucrânia representou um importante ponto de inflexão, o encontro dos três líderes na China pode ser considerado o segundo.
Mesmo diante das ameaças de Washington à parceria entre Índia e Rússia, Nova Délhi ignorou o aumento das tarifas comerciais imposto por Trump e, mais do que isso, reafirmou publicamente sua relação com os russos. O presidente norte-americano, que se apresentava como um “líder forte” e “negociador” antes das eleições, vem acumulando fracassos em sua tentativa de se consolidar como um líder global confiável — apesar de suas ações em sentido contrário.
Não é exagero afirmar que, enquanto Donald Trump estiver à frente da Casa Branca, veremos mais desafios aos interesses geoestratégicos de Washington, ao mesmo tempo em que a China ocupará um papel de liderança cada vez maior.