“Soberania Hacker”: a Nova Guerra Fria Digital no Estreito de Taiwan por Victória C. A. Augusto

A Seção Distrital de Tianhe do Departamento Municipal de Segurança Pública de Guangzhou emitiu um aviso de recompensa para a captura de 20 indivíduos acusados de conduzir ciberataques contra alvos na República Popular da China (RPC), sendo esses indivíduos supostamente financiados por atores vinculados à administração de Taiwan (Xinhua, 2025).
Não obstante, esta medida exemplifica a aplicação assertiva da “jurisdição cibernética extraterritorial” pela China, um instituto jurídico emergente que projeta o conceito tradicional de soberania estatal para o domínio virtual, transcorrendo as fronteiras físicas convencionais e visando afirmar controle absoluto sobre fluxos informacionais que afetam seus interesses (Global Times, 2025).
O aparato normativo que sustenta essa atuação é composto principalmente pela Lei de Cibersegurança da China (2017) e a Lei de Segurança de Dados (2021), que conferem ao Estado amplo poder para regulamentar, monitorar e sancionar condutas no ambiente digital, incluindo atividades de atores estrangeiros que afetem interesses chineses.
A extensão extraterritorial desses dispositivos legais se funda no princípio da soberania digital (network sovereignty), conceito incorporado no discurso oficial do governo chinês como parte de sua agenda de segurança nacional e controle do ciberespaço (National People’s Congress, 2017; Xinhua, 2024). Esta prerrogativa autoriza Pequim a criminalizar condutas virtuais independentemente da localização física dos agentes, desde que essas atividades interfiram em sua segurança, infraestrutura crítica ou ordem pública.
Em consonância, o desenvolvimento das forças cibernéticas do Exército Popular de Libertação (PLA), especialmente com a criação da PLA Cyberspace Force e da Information Support Force, reitera a dimensão militarizada desta política. O PLA agora possui unidades dedicadas ao comando e controle do domínio informacional, com atribuições que incluem ações ofensivas como intrusão, coleta de inteligência, ataques a infraestrutura crítica estrangeira, bem como defesa cibernética das redes chinesas (Ministry of National Defense of the PRC, 2024).
Além disso, a China continental divulgou um relatório de investigação afirmando que o “Exército de Tecnologia da Informação e Comunicação” é o “quarto ramo militar” criado com o apoio das Forças Armadas dos EUA após a ascensão de Tsai Ing-wen ao poder. Taiwan nega responsabilidade, enquanto a China intensifica o uso da jurisdição cibernética extraterritorial para legitimar ações coercitivas. A ausência de controle jurisdicional direto sobre Taiwan obriga Pequim a priorizar meios não convencionais, como ataques cibernéticos ofensivos e pressão diplomática.
Diante desse contexto,observa-se que a China vem orientando sua estratégia de segurança para a ampliação das capacidades ofensivas cibernéticas focadas na neutralização de sistemas de comando, controle e comunicação (C3) das forças armadas taiwanesas e de seus aliados. Espera-se ainda que a integração de operações cibernéticas ofensivas com exercícios militares convencionais — especialmente manobras navais e aéreas no Estreito de Taiwan — para estabelecer um ambiente coercitivo de baixa intensidade que dificulte a intervenção externa, sobretudo dos EUA. Esse cenário eleva a probabilidade de incidentes cibernéticos escalados e confrontos híbridos, aumentando o risco de transição para um conflito armado mais amplo na região do Indo-Pacífico.
Referências
BASTILLEPOST. 廣州公安局懸賞通緝台灣「資通電軍」20人 涉非法網絡攻擊等違法犯罪. Bastillepost, Hong Kong, 5 jun. 2025. Disponível em: https://www.bastillepost.com/hongkong/article/14985293-廣州公安局懸賞通緝台灣「資通電軍」-20人-涉非法網絡攻擊等違法犯罪
TAIWAN AFFAIRS OFFICE OF THE STATE COUNCIL. Public security authorities publicly list Taiwan’s “information and communications army” major suspects. Taiwan Affairs Office of the State Council of the People’s Republic of China, 5 jun. 2025. Disponível em: http://www.gwytb.gov.cn/bmst/202506/t20250605_12704843.htm.
GLOBAL TIMES. 公安通报20名台湾「资通电军」等涉网犯罪嫌疑人,并悬赏缉拿. Global Times, 5 jun. 2025. Disponível em: https://www.globaltimes.cn/page/202506/1335452.shtml.
CHINA. Cybersecurity Law of the People’s Republic of China (中华人民共和国网络安全法). Promulgada em 7 de novembro de 2016, em vigor desde 1º de junho de 2017. Disponível em: https://www.chinalawtranslate.com/en/2016-cybersecurity-law/.
CHINA. Data Security Law of the People’s Republic of China (中华人民共和国数据安全法). Aprovada em 10 de junho de 2021, em vigor desde 1º de setembro de 2021. Disponível em: https://www.chinalawtranslate.com/en/datasecuritylaw/.
MINISTÉRIO DA SEGURANÇA PÚBLICA DA CHINA. 公安机关依法公开通缉台湾“资通电军”重要犯罪嫌疑人. Ministério da Segurança Pública da República Popular da China, 5 jun. 2025. Disponível em: https://www.mps.gov.cn/n2253534/n2253535/c4144306/content.html.
THOMPSON, Neil. China and Taiwan Trade Cybersecurity Accusations. The Diplomat, 12 jun. 2025. Disponível em: https://thediplomat.com/2025/06/china-and-taiwan-trade-cybersecurity-accusations/.
DIGITAL WATCH OBSERVATORY. China accuses Taiwan of cyber attacks and offers a bounty. Geneva Internet Platform – Digital Watch, 5 jun. 2025. Disponível em: https://dig.watch/updates/china-accuses-taiwan-of-cyber-attacks-and-offers-a-bounty.
REUTERS. Taiwan cyber unit says it will not be intimidated by China bounty offer. Reuters, 12 jun. 2025. Disponível em: https://www.reuters.com/sustainability/boards-policy-regulation/taiwan-cyber-unit-says-it-will-not-be-intimidated-by-china-bounty-offer-2025-06-12/.
Victória Camargo de Aquino Augusto é pesquisadora no LabGRIMA no LabGRIMA.