Tarifas, parcerias e os desafios do café brasileiro no mercado asiático por Glauco Winkel

No dia 9 de julho, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou a imposição de uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros.
Em carta endereçada ao governo do Brasil, Trump condicionou eventuais negociações comerciais à revisão de políticas internas brasileiras e apontou um suposto “déficit comercial” dos Estados Unidos em relação ao Brasil (The White House, 2025). No entanto, essa alegação não se sustenta: dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) indicam que, em 2024, o Brasil registrou um déficit de quase 300 milhões de dólares em suas trocas com os Estados Unidos — um padrão observado desde 2016, embora com tendência de redução nos últimos anos.
Por outro lado, as relações comerciais do Brasil com a China seguem uma dinâmica bastante distinta. Também segundo o MDIC, em 2024, o Brasil obteve um superávit comercial de 30 bilhões de dólares com o país asiático. Esse padrão tem se mantido predominantemente desde 2016, com alguns episódios pontuais de déficit, porém sem grande expressão e com tendência de melhora ao longo do tempo. Essa diferença estrutural evidencia o peso crescente da China como parceira estratégica do Brasil.
No mesmo dia em que as tarifas de Trump foram anunciadas — atingindo produtos como o café, um item importante na pauta exportadora brasileira —, a China autorizou a entrada de 183 exportadores brasileiros desse produto em seu mercado (Araújo, 2025). A medida, com validade de cinco anos e vigência a partir de 30 de julho, representa um gesto estratégico por parte de Beijing. Além de fortalecer a aproximação com o Brasil, pode ser interpretada como uma resposta indireta às ações de Washington, especialmente por envolver um setor até então pouco explorado nas relações sino-brasileiras.
O Brasil já havia sinalizado sua intenção de diversificar suas parcerias comerciais no setor cafeeiro na Ásia, com destaque para China e Índia. No entanto, esses países ainda não representam mercados consolidados para o café não torrado brasileiro. Em 2024, a China respondeu por apenas 1,9% das exportações, e a Índia, por 0,4%, enquanto os Estados Unidos absorveram 16,7% do total (Brasil, 2024). Esse cenário evidencia um desafio relevante: embora o gesto chinês de abrir seu mercado a novos exportadores brasileiros represente uma oportunidade estratégica, a construção de uma presença significativa nesses mercados exigirá tempo, adaptação e investimentos em promoção comercial. Além disso, será necessário considerar os hábitos culturais e padrões de consumo locais, ainda pouco orientados ao café.
Nesse mesmo contexto asiático, outros parceiros com potencial de crescimento também merecem atenção. Japão (5%) e Vietnã (1,1%) apresentaram avanços nas relações comerciais e diplomáticas com o Brasil (Brasil, 2024), impulsionados pelas visitas oficiais do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2025. Esses movimentos políticos podem favorecer a intensificação do comércio cafeeiro com esses países, contribuindo para uma presença mais equilibrada do produto brasileiro no continente.
Diante do cenário atual, o Brasil certamente enfrentará desafios significativos para negociar com a administração Trump, especialmente diante da importância estratégica que o mercado americano representa para o país. A necessidade de diálogo e negociação direta com os Estados Unidos permanece essencial, ainda que seja incerto se a atual liderança estadunidense estará disposta a construir esse entendimento.
Por sua vez, embora a China tenha manifestado apoio ao Brasil em defesa da sua soberania — como ressaltado pelo chanceler da China, Wang Yi, que afirmou sua oposição à “interferência externa irracional” e declarou apoio “firme ao Brasil na defesa de sua soberania e dignidade nacionais” (Oliveira, 2025) —, é fundamental compreender que esse gesto também atende aos interesses estratégicos de Beijing, tal como os megaprojetos de infraestrutura de integração regional, como a Rota Bioceânica, que visa ampliar conexões comerciais e políticas entre a Ásia e a parte sul do continente americano.
Nesse sentido, o Brasil deve manter uma postura cautelosa diante desse conflito geoeconômico, buscando equilibrar a parceria estratégica com a China de forma que ela também possa servir aos interesses brasileiros, sem que isso comprometa a relação com os Estados Unidos. Essa relação precisa ser conduzida com diversificação e autonomia, assegurando que o Brasil preserve sua capacidade de negociação e independência política frente a múltiplos parceiros no cenário global. A abertura de novos mercados deve, assim, fortalecer a posição internacional do Brasil — e não o contrário.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Jean. China abre mercado a café, gergelim e farinha de aves e suínos do Brasil. São Paulo: CNN Brasil, 3 ago. 2025. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/china-abre-mercado-a-cafe-gergelim-e-farinha-de-aves-e-suinos-do-brasil/. Acesso em: 6 ago. 2025.
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. Comex Stat. Brasília: MDIC, 2024. Disponível em: https://comexstat.mdic.gov.br/pt/comex-vis/3/53. Acesso em: 7 jul. 2025.
OLIVEIRA, Eliane. China sai em defesa do Brasil após tarifaço de Trump e diz que país sofre “interferência externa abusiva”. Rio de Janeiro: O Globo, 6 ago. 2025. Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2025/08/06/china-sai-em-defesa-do-brasil-apos-tarifaco-de-trump-e-diz-que-pais-sofre-interferencia-externa-abusiva.ghtml. Acesso em: 6 ago. 2025.
THE WHITE HOUSE. Addressing threats to the United States by the Government of Brazil. Washington: The White House, 30 jul. 2025. https://www.whitehouse.gov/presidential-actions/2025/07/addressing-threats-to-the-us/. Acesso em: 6 ago. 2025.
Glauco Winkel é pesquisador sobre China e Sudeste Asiático no Laboratório de Geopolítica, Relações Internacionais e Movimentos Antissistêmicos (LabGRIMA) e pesquisador associado no Centro de Estudos em Geopolítica e Relações Internacionais (CENEGRI).