As teorias de Christian Harbulot sobre a guerra econômica e as tarifas dos EUA contra a UE por Giuseppe Gagliano

The Centre for Studies on Geopolitics and Foreign Affairs

As teorias de Christian Harbulot sobre a guerra econômica e as tarifas dos EUA contra a UE por Giuseppe Gagliano

9 de maio de 2025 Blog 0

Christian Harbulot, diretor da Escola de Guerra Económica de Paris (École de Guerre Économique, EGE), define a guerra económica como “a expressão máxima das relações de poder não militares”.

Em outras palavras, é possível travar uma guerra sem armas convencionais, usando alavancas econômicas, financeiras e informacionais para obter vantagens estratégicas. Os gatilhos desse conflito “sui generis” estão na sobrevivência de um povo e no aumento do poder de um Estado. Harbulot ressalta que a guerra econômica tem suas raízes na história humana: as sociedades sempre lutaram pelo controle de recursos e riquezas. Como ele mesmo escreve, “a história da humanidade se baseia na busca de meios para se desenvolver e no uso da força, seja para se apoderar de riquezas e meios de subsistência de áreas geográficas cobiçadas, seja para se proteger dos atos predatórios de invasores”.

Essa visão reconhece, portanto, uma continuidade histórica entre conflitos armados e conflitos econômicos: as lutas pelo poder muitas vezes têm motivações econômicas, mesmo que mascaradas por pretextos religiosos ou ideológicos. Harbulot observa que, desde o século XIX, com o triunfo do liberalismo e dos mercados abertos, o debate sobre a guerra econômica tem sido negado ou subestimado, na crença otimista de que o livre comércio garantiria a paz. Contudo, a competição por recursos, tecnologia e mercados não desapareceu: ela simplesmente encontrou novos meios e novos campos de ação na modernidade. O cientista político americano Edward Luttwak já falava em 1990 de uma “lógica de conflito expressa com a gramática do comércio”, cunhando o termo geoeconomia. Nesse paradigma, as ferramentas econômicas (impostos aduaneiros, investimentos, sanções, controle de tecnologia, etc.) tornam-se armas para promover interesses nacionais e influenciar equilíbrios geopolíticos.

Para Harbulot, a guerra econômica é, portanto, um componente estrutural das estratégias geopolíticas atuais. Os Estados estão se tornando novamente atores estratégicos centrais: mesmo em um mundo globalizado, eles protegem suas informações confidenciais, apoiam suas empresas nacionais e direcionam o desenvolvimento tecnológico de acordo com o interesse nacional. Por exemplo, investimentos públicos em setores-chave ou apoio a campeões industriais nacionais podem ser interpretados como movimentos defensivos e ofensivos num “campo de batalha” económico. Da mesma forma, práticas como espionagem industrial, ataques cibernéticos à infraestrutura econômica ou o controle de matérias-primas estratégicas fazem parte da lógica da guerra econômica, porque visam enfraquecer o poder dos outros ou preservar o próprio. Em resumo, a guerra econômica, segundo Harbulot, é a continuação da competição global por outros meios (econômicos, financeiros, informacionais), com o objetivo de aumentar o poder relativo e garantir a segurança e a prosperidade nacionais sem recorrer, tanto quanto possível, ao confronto militar direto.

Tarifas dos EUA contra a UE como um ato de guerra econômica

Dentro da estrutura teórica de Harbulot, até mesmo políticas comerciais agressivas – como a imposição de tarifas – podem ser consideradas atos de guerra econômica. Um bom exemplo é a longa disputa entre a Airbus e a Boeing no setor aeronáutico: décadas de competição e acusações mútuas de subsídios injustos, que culminaram na imposição de tarifas dos EUA sobre produtos europeus após a decisão da OMC no caso Airbus. Analistas treinados pela EGE chamaram essa luta de uma verdadeira “guerra econômica de cem anos” entre a Europa e os Estados Unidos no setor aeroespacial. Estas são, na verdade, medidas de retaliação pelas quais Washington atingiu produtos que são símbolos da UE (desde aeronaves civis até queijos e vinhos europeus) para forçar Bruxelas a respeitar as regras do jogo impostas pelos EUA e proteger suas próprias indústrias.

As tarifas sobre aço e alumínio introduzidas pelos Estados Unidos em 2018 (25% sobre aço importado e 10% sobre alumínio, afetando também os aliados europeus) foram percebidas na Europa não apenas como protecionismo econômico, mas como um ataque estratégico. O ex-presidente Donald Trump chegou a ameaçar impor tarifas de 25% sobre carros europeus, acusando a UE de “roubar” os Estados Unidos no comércio. Esse tipo de pressão comercial visa dobrar as contrapartes: em termos harbulotianos, isso equivale a usar a alavanca econômica nacional (o mercado americano, essencial para as exportações da UE) como arma de coerção para obter concessões políticas ou econômicas. Não é surpresa que, diante das tarifas de Trump, a UE tenha respondido com contratarifas sobre produtos americanos icônicos (motocicletas, bourbon, jeans), no que foi imediatamente apelidado de “guerra tarifária” transatlântica.

Vale ressaltar que as iniciativas de guerra econômica dos EUA contra a Europa não começaram com Trump. Estudos de inteligência empresarial italiana apontam que um aumento nas taxas alfandegárias para a Europa já havia ocorrido durante o governo Obama. Além disso, os Estados Unidos têm um longo histórico de coerção econômica indireta: por exemplo, sanções e embargos unilaterais (que penalizam empresas europeias que operam em países considerados “inimigos” dos EUA) ou a aplicação extraterritorial das leis dos EUA – pense nas multas colossais impostas aos bancos europeus por violarem as sanções dos EUA, ou a proibição de empresas da UE fazerem negócios com o Irã depois que os EUA se retiraram do acordo nuclear.

Essas práticas influenciam o mercado global tanto, se não mais, do que os direitos aduaneiros tradicionais, e também fazem parte das ferramentas de guerra econômica, de acordo com a doutrina de Harbulot. Em suma, as tarifas impostas pelos Estados Unidos à União Europeia — seja no contexto de disputas comerciais específicas ou como parte de uma estratégia protecionista mais ampla — podem ser interpretadas como ações economicamente hostis, destinadas a enfraquecer a competitividade europeia ou forçar a UE a negociar em termos favoráveis ​​a Washington. Este é o reflexo concreto desse equilíbrio de poder não militar de que fala Harbulot: a economia se torna o campo de batalha onde dois aliados se descobrem concorrentes neste terreno.

A previsão de Harbulot e a competição entre blocos econômicos

Os pensamentos de Harbulot sobre a guerra econômica provaram ser proféticos à luz dos eventos dos últimos anos. Ele alertou a Europa contra o pensamento puramente idealista ou uma visão do “fim da história” econômico: o mundo pós-Guerra Fria, apesar do aparente triunfo do livre mercado global, está vendo o ressurgimento de rivalidades entre grandes potências em novas formas. Hoje, a competição entre blocos econômicos é evidente para todos. Por um lado, há o desafio EUA-China, uma luta pela supremacia tecnológica e comercial que assumiu as características de uma guerra econômica total (de tarifas cruzadas entre Washington e Pequim até a dissociação tecnológica em chips e 5G, incluindo o controle de terras raras e cadeias de suprimentos estratégicas).

Por outro lado, a Europa se vê presa entre esses dois gigantes e luta para conquistar um papel autônomo para si. Harbulot descreveu um cenário onde, com o desaparecimento da oposição ideológica da Guerra Fria, até mesmo aliados transatlânticos se tornam concorrentes econômicos. Foi exatamente isso que aconteceu: os Estados Unidos, livres da obrigação de defender a Europa “de graça” contra uma ameaça soviética, perseguiram inescrupulosamente seus interesses nacionais, mesmo em detrimento dos europeus (pense, além dos impostos alfandegários, no Buy American Act ou nas recentes políticas de incentivo do Inflation Reduction Act, percebidas pela UE como discriminatórias em relação às empresas europeias).

Harbulot também destacou a fraqueza estrutural da Europa em termos de cultura de poder e inteligência econômica. As elites europeias – ao contrário das dos Estados Unidos, China ou Rússia – há muito subestimam a dimensão conflituosa da economia, adoptando a ideologia do mercado livre como terreno “neutro”. Essa falta de realismo estratégico tornou, e ainda torna, a Europa vulnerável: Harbulot alertou que, sem conscientização, a UE permaneceria “um anexo dos Estados Unidos” ou um vaso de barro entre vasos de ferro (como China, Rússia ou as potências petrolíferas). Hoje, com crises como a guerra na Ucrânia e as tensões entre EUA e China, vemos uma Europa que frequentemente enfrenta dificuldades: dependente dos Estados Unidos para segurança militar e apoio na Ucrânia, dependente da China para suprimentos industriais e mercado de exportação, e vulnerável na frente energética (como a crise do gás ligada ao conflito russo demonstrou). Todos esses elementos confirmam a clareza da análise de Harbulot: a economia se tornou um campo de batalha explícito entre blocos, e a Europa corre o risco de se tornar irrelevante se não aprender a jogar o jogo do poder.

Dito isto, alguns desenvolvimentos recentes indicam que a Europa está começando, ainda que lentamente, a se equipar. Desde a década de 1990, Harbulot vem enfatizando a importância de ter inteligência econômica e uma estratégia nacional (ou continental) para proteger o sistema econômico. Hoje, conceitos semelhantes estão surgindo no discurso da UE sob termos como “autonomia estratégica” ou “soberania tecnológica”. A União implementou mecanismos de triagem de investimentos estrangeiros para evitar aquisições hostis em setores sensíveis (uma medida impensável há alguns anos em países liberais como a Alemanha). Também está desenvolvendo um “instrumento anticoerção” para se defender ou responder a pressões econômicas externas (por exemplo, ameaças de boicotes ou embargos de grandes potências). Em essência, trata-se de começar a reconhecer o jogo da guerra econômica e nos equipar com contramedidas, confirmando implicitamente os diagnósticos de Harbulot sobre a necessidade de pensar em termos de poder.

Harbulot chegou a considerar a possibilidade de novas alianças globais como uma saída para escapar do domínio dos blocos existentes. Em uma entrevista de 2018, ele mencionou uma possível área de independência estratégica baseada em um acordo que não fosse “nem europeu nem atlântico, mas latino”. Essa sugestão – uma aliança entre países de cultura latina – poderia sugerir uma cooperação aprimorada entre certas nações do sul da Europa (França, Itália, Espanha) e talvez o mundo latino-americano, para contrabalançar o duopólio EUA-China. Além da viabilidade de tal cenário, essa ideia revela um desejo de imaginar arquiteturas alternativas no tabuleiro de xadrez global, um sinal da importância que Harbulot atribui à busca por espaços autônomos de manobra para escapar da subordinação econômica.

Cenários futuros para a Europa e possíveis contramedidas

Olhando para o futuro, a Europa encontra-se numa encruzilhada estratégica. Um cenário possível é que a UE permaneça passiva, sofrendo os acontecimentos: neste caso, ela continuará sendo um campo de batalha para outros ou um “campo de caça” para potências econômicas externas. Isso significaria dependência tecnológica (microprocessadores americanos ou asiáticos, plataformas digitais americanas, infraestrutura 5G chinesa), exposição à chantagem econômica (como cortes no fornecimento de energia ou sanções secundárias dos Estados Unidos) e perda de competitividade em seus setores industriais estratégicos. Nesse cenário pessimista, a Europa corre o risco de cair na irrelevância geopolítica, cumprindo a metáfora do vaso de barro de Harbulot. Ele poderia ser forçado a se alinhar, por sua vez, a um dos blocos dominantes (provavelmente os Estados Unidos, dados seus laços com a OTAN e valores compartilhados), mas sempre em uma posição subordinada e com espaço reduzido para negociação.

O outro cenário é o de uma Europa que assume o controle de seu destino econômico e estratégico. Isso envolveria finalmente adotar muitas das receitas implícitas nas teorias de Harbulot: desenvolver uma unidade de propósito entre os países europeus na frente da política econômica externa, superando divisões internas quando se trata de enfrentar concorrentes externos; fortalecer os instrumentos de defesa comercial (direitos antidumping, sanções contra práticas desleais, controle de exportações de tecnologias críticas); investir maciçamente em setores-chave para reduzir dependências (da energia às baterias elétricas, dos semicondutores à inteligência artificial, talvez coordenando projetos europeus no modelo da Airbus); e promover uma cultura compartilhada de inteligência econômica. Isso significa proteger melhor os segredos comerciais e informações confidenciais europeus e coletar dados sobre o comportamento econômico dos rivais para antecipar seus movimentos — exatamente o tipo de treinamento fornecido pela Escola de Guerra Econômica de Harbulot.

Uma Europa mais consciente também poderia desenvolver estratégias ofensivas no nível geoeconômico. Por exemplo, explorando o peso do seu mercado único (o maior do mundo) como alavanca de negociação: no passado, Bruxelas já impôs padrões regulatórios globais (“efeito Bruxelas”) e conseguiu usar sanções econômicas (contra a Rússia) com impacto notável. No futuro, poderia empregar medidas retaliatórias direcionadas contra aqueles que o prejudicam economicamente, fazendo-se respeitar na mesa de negociações. Também poderia diversificar suas alianças: além de manter a parceria transatlântica, a UE poderia estreitar laços comerciais e tecnológicos com países próximos (como Japão, Índia, democracias asiáticas e algumas potências médias), criando uma rede de colaboração que diluiria sua dependência dos centros EUA-China. Num cenário de ordem multipolar, a Europa faria bem em não se isolar ou alinhar-se cegamente, mas em se tornar um “terceiro pilar” autônomo que dialoga com todos, de acordo com seus próprios interesses.

Naturalmente, alcançar esse cenário exige vontade política e capacidade de ter uma visão de longo prazo. Isso também significa aceitar alguns custos de curto prazo (por exemplo, investir em resiliência pode ser caro, assim como diversificar suprimentos ou produzir localmente bens anteriormente importados a baixo custo). Mas a lição de Harbulot é que o preço da ingenuidade pode ser muito mais alto: perder participação de mercado, vender ativos estratégicos ou confiar em tecnologias de outros equivale a enfraquecer a própria segurança nacional. Em última análise, a Europa do amanhã terá que escolher se quer ser sujeito ou objeto de uma guerra econômica global. Adotar uma visão lúcida e “realista” à maneira de Harbulot – sem renunciar aos seus valores, mas sem ignorar o equilíbrio de poder – poderia permitir-lhe navegar na crescente competição entre blocos econômicos com maior autonomia e sucesso. Como observa Giuseppe Gagliano (um estudioso italiano e discípulo de Harbulot), é somente recuperando a consciência do conceito de poder que a Europa poderá deixar de ser uma mera espectadora e voltar a ser protagonista no cenário internacional.

Conclusão

As teorias de Christian Harbulot, desenvolvidas décadas atrás, agora oferecem uma chave valiosa para entender dinâmicas aparentemente desconectadas — das tarifas dos EUA contra a UE à corrida por microprocessadores e à “guerra de sanções” entre o Ocidente e a Rússia. Todos esses fenômenos fazem parte de uma guerra econômica global, latente, mas cada vez mais evidente. Para a Europa, aproveitar isso significa dotar-se de ferramentas analíticas e operacionais para defender seus interesses em um mundo onde a competição econômica é total. O debate não é mais acadêmico: ele diz respeito a empregos, ao bem-estar dos cidadãos e à capacidade das democracias europeias de preservar seu modelo em um contexto muito mais severo do que aquele imaginado nos anos pós-Cortina de Ferro. Harbulot nos lembra, em suma, que a geopolítica do século XXI se joga tanto com taxas alfandegárias e multinacionais quanto com tanques, e que somente aqueles que sabem manobrar astutamente nesses dois níveis poderão se considerar verdadeiramente soberanos.

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